Sobre
a liberação de créditos suplementares por meio de decreto, sem o aval do
Congresso, a presidente afastada afirma, em entrevista a uma rádio gaúcha, que
não foi constatada nenhuma participação dolosa de sua parte.
GABRIELA LARA
O ESTADO DE S.PAULO
PORTO ALEGRE - A presidente
afastada Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira,27, que a perícia feita
pelo corpo técnico do Senado atesta a inexistência de crime de responsabilidade
nos atos que embasam o pedido de impeachment em tramitação no Congresso.
"Hoje ficou caracterizado que os motivos pelos quais eles me acusam não
caracterizam crime. Nós viemos dizendo isso há muito tempo, mas agora a própria
perícia constatou isso", disse Dilma, em entrevista concedida à Rádio Guaíba,
do Rio Grande do Sul.
A perícia realizada pelo corpo
técnico do Senado veio a público nestasegunda-feira com a divulgação do laudo
do trabalho. O documento responsabiliza a petista pela liberação de créditos
suplementares por meio de decreto, sem o aval do Congresso, mas isenta Dilma da
atuação nas pedaladas fiscais. Sobre os decretos, ela disse que não foi
constatada nenhuma participação dolosa de sua parte. "Não há, em nenhum
momento, um alerta ou um parecer técnico que diga 'presidenta, se você assinar
este decreto estará comprometendo a meta fiscal'. Por isso fica cada vez mais
claro que este processo de impeachment não tem base legal, não tem
fundamentação."
Na entrevista, Dilma reafirmou
que está trabalhando para reverter o processo de afastamento no plenário do
Senado, na votação que deve ocorrer em agosto. "Não só tenho esperança
como tenho sistematicamente feito tratativas nesta direção, conversando com
senadores e discutindo também com os movimentos sociais."
A presidente afastada também
disse que, caso seja absolvida no processo de impeachment, ela ainda não sabe
se chamaria um plebiscito para a convocação imediata de novas eleições
presidenciais. "Ainda não há consenso entre as diferentes forças que me
apoiam", afirmou. Segundo Dilma, a certeza que se tem no momento é que a
volta "plena e irrestrita" de seu mandato é condição essencial para a
manutenção do processo democrático. "Caso contrário estaremos sempre na
ilegalidade, que é a ruptura democrática sem causa. É como rasgar a
Constituição", disse.
Dilma comentou que não sabe se
vai pessoalmente defender seu mandato na Comissão Especial do Impeachment no
Senado. Segundo ela, esta questão está sendo avaliada. "Teria oportunidade
de falar ao Senado em duas circunstâncias: uma delas é na comissão, mas creio
que seria mais solene falar ao plenário, a todos os senadores", afirmou.
Ao longo da entrevista, que
durou cerca de 40 minutos, a presidente afastada voltou a criticar o que
considera "vazamentos seletivos da operação Lava Jato" com o intuito
de atingir seu governo. Ela ainda desaprovou medidas tomadas pelo presidente em
exercício, Michel Temer, como o não pagamento do reajuste do Bolsa Família.
'Robustez econômica'
Sobre a
situação econômica, Dilma comentou que a trajetória de desaceleração da
inflação e a "robustez econômica" recentemente exaltada pelo
Ministério da Fazenda são mérito da gestão do PT. "Se a inflação hoje se
projeta para a meta, deve-se ao que nós fizemos", disse.
Ela citou fato de o Ministério
da Fazenda ter dito, na semana passada, por meio de nota, que o Brasil tem uma
situação econômica sólida e segura, com fundamentos robustos, e que, portanto,
está preparado para atravessar com segurança períodos de instabilidade externa,
referindo-se às possíveis consequências da decisão dos britânicos de deixar a
União Europeia. "Quem é que construiu esta robustez? O governo provisório,
interino e ilegítimo nos último mês e meio ou nós nos últimos anos? Nós nos
últimos anos", ressaltou a presidente afastada.
Na entrevista, Dilma afirmou
também que o Brasil teria saído "mais facilmente" da crise econômica
que atravessa se, em 2015, os opositores ao seu governo "não tivessem
criado junto uma crise política". Ela lembrou a atuação do então
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "Ele não só
barrava a reforma fiscal como fazia com que tivéssemos obrigações, as chamadas
pautas-bomba", afirmou. "Criaram empecilhos para uma reforma que,
naquele momento, em 2015, teria sido mais suave."
Sobre o sistema político
brasileiro, Dilma opinou que é impossível governar um país com a quantidade de
partidos que existe hoje no Brasil - que, segunda ela, leva a uma inevitável
fragmentação. "No período FHC, se fazia maioria simples com três partidos.
No governo do presidente Lula, eram necessários oito partidos. No meu governo,
14 faziam maioria simples", disse.
Dilma ainda admitiu que pode ter
cometido erros no diálogo com o Congresso. Ela ponderou que fez o possível para
tratar com os parlamentares temas de interesse nacional, mas que não se
arrepende de ter evitado "certo tipo de conversa" com políticos.
"Uma certa conversa que leva a negociações que muitas vezes não são
republicanas de fato eu não gosto. Podem me chamar de dura ou do que for. Não
faço esse tipo de conversa porque eu acho que não é correto", destacou.
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